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Portugueses em Marte?

Aos 10 anos de idade um amigo do pai indicou-lhe a posição da Estrela Polar e ensinou-lhe a localizar o Norte. Daí até se tornar astrónomo seguiram-se muitos anos de estudo e investigação científica na Holanda, em França e, mais tarde, a vinda para Portugal.
Maarten Roos Serote, investigador auxiliar do Observatório Astronómico de Lisboa (OAL), conta como foi o seu percurso até chegar a investigador e quais os projectos mais entusiasmantes em que participou. Em aberto, fica a resposta à possibilidade de o futuro da Terra passar por Marte... No próximo ano, garante, "haverá novidades".

  Qual o seu percurso até chegar a investigador auxiliar no OAL?
  Comecei a interessar-me por Astronomia aos 10, 11 anos. Lembro-me da visita de um amigo do meu pai, que tinha um barco e gostava muito de Astronomia. Nessa noite, no jardim, ele indicou-me a Estrela Polar e o Norte. Tudo isso me despertou algum interesse e comecei a ler livros na biblioteca e por aí fora. Mais tarde resolvi que queria estudar Astronomia. Foi o que fiz. Na Holanda fiz o secundário e entrei para a Licenciatura em Astrofísica, em Leiden.
  No final do curso, havia uma parte prática, um trabalho de final de curso (Tese), com alguma investigação. Normalmente, esse trabalho faz-se na própria Universidade com algum investigador, normalmente fazendo parte do trabalho de um estudante de doutoramento. Eu quis fazer a minha tese sobre planetas, pois achava esse tema mais interessante, mas não havia muito trabalho de investigação sobre esse tema na Holanda. Falei com um professor que me aconselhou a ir para França através do Programa ERASMUS. No princípio era um ano, mas acabei por ficar dois anos. Acabei o curso na Holanda e voltei a França para fazer um Mestrado e o Doutoramento. Em 1998, por motivos pessoais, venho para Portugal, para o Grupo de Astronomia aqui no OAL e é quando abre uma vaga para investigador auxiliar. Entrei para os quadros do Observatório onde permaneço até hoje.

  Qual o projecto mais fascinante em que já participou?
  Eu estive quase 10 anos a trabalhar sobre Galileo, o meu trabalho de tese do Doutoramento. Galileo era uma sonda americana para Júpiter, mas que já "morreu", literalmente. Até hoje, foi o projecto em que estive mais tempo envolvido. Parte do meu trabalho debruçou-se sobre a composição de Júpiter e, acho que ajudei a dar um passo em frente no problema que era determinar quanto oxigénio contém Júpiter. Podem perguntar, e então, o que é que isso interessa? Mas para a formação de Júpiter e de todo o Sistema Solar, é importante conhecer as composições actuais dos planetas. Ensina-nos como se formaram os planetas. Assim, podemos ficar a saber como se formou a Terra e outros planetas. Congratulo-me por ter ajudado a compreender melhor a quantidade de oxigénio que existe em Júpiter. Foi sem dúvida um trabalho gratificante e onde pude dar o meu contributo.

  Essa era uma missão da NASA. Quando é que começou a colaborar com a ESA?
  Quando acabei o doutoramento e a minha participação na sonda Galileo, Portugal acabava de entrar na ESA como membro de pleno direito. Face à minha experiência e à minha presença em Portugal acabei como protagonista para organizar esta entrada de Portugal e da Astronomia portuguesa na ESA. Acabei por ser convidado para participar em dois comités. O primeiro comité era sobre Sistema Solar e eu dava algumas recomendações sobre o programa científico a seguir pela ESA nesse campo. Estava lá como um especialista em atmosferas, apenas. Agora estou no Science Programme Committee, que junta os pareceres dos diferentes comités especializados e decide o que se vai fazer.

  Há algum programa científico da ESA previsto para levar europeus ao Espaço? Há portugueses envolvidos?
  Há o programa Aurora que pretende levar homens a Marte, a partir de 2030. Portugal faz parte deste programa, pelo menos até final de 2005. Colabora tecnologicamente através de algumas empresas, em hardware e software, pois são necessárias muitas missões antes de pôr um pé em Marte. Em princípio vai haver também um instrumento português mesmo, na sonda Bepicolombo. Esta missão vai voar em 2012 para Mercúrio. É uma missão da ESA e Portugal vai tentar ter o seu primeiro pequeno instrumento multiuso nessa sonda.


Nuvens de Júpiter vistas a 3 dimensões.
Cortesia: Galileo Project, JPL, NASA.

  Actualmente trabalha no MAGIC. Explique-nos em que consiste o projecto MAGIC.
  O MAGIC é o projecto português para participar na Mars Express, uma sonda enviada para Marte a 2 de Junho de 2003. Esta sonda é um projecto quase cem por cento da ESA. A sonda está em Marte há quase um ano a fazer observações do planeta. A sua órbita é elíptica e por isso a cada 7 horas e meia a Mars Express passa junto do planeta e faz observações. Os dados recolhidos darão para compreender muito sobre Marte: sabemos que Marte teve água, todos aceitamos isso, mas onde é que ela está? Por que é que já não está à superfície? Que implicações terão estes dados na possibilidade de vir a haver ou de ter havido vida em Marte? Como é a atmosfera de Marte? Há pouco tempo surgiu um dado novo: a existência de metano na atmosfera de Marte. Ora, na Terra, o metano é um elemento antropológico, relacionado com a Vida. Mas, se nós o observamos, significa que tem que haver uma fonte, algo que constantemente mande esse metano para a atmosfera. Há várias hipóteses: vulcanismo, actividade geológica/geofísica do planeta, bactérias... ou marcianos a cultivar arroz?! (risos)

  Quais as áreas cientificas envolvidas no MAGIC?
  Geologia, para estudo e descrição geológica do terreno e idade, Minerologia, relacionada com a composição do terreno, que minerais e pedras existem, depois há uma parte relacionada com a atmosfera, onde vamos estudar as espécies menores na atmosfera de Marte: metano, monóxido de carbono; gases que existem, mas em pequenas percentagens na atmosfera. Depois há uma parte de Astrobiologia, que já não terá tanto êxito, pois estava principalmente centrada na Beagle 2, uma sonda que iria aterrar em Marte, mas que se perdeu no ano passado. De qualquer forma, vamos tentar encontrar vestígios de vida. Agora, face ao que aconteceu, vamos trabalhar também esta área, mas com dados menos específicos. No próximo ano vamos começar a analisar os dados recolhidos pela Mars Express.

  Então daqui a um ano já saberemos se será possível ir morar para Marte?
  Sim... daqui a um ano já saberemos qualquer coisinha... (risos)


Visão artística da sonda Mars Express. Cortesia ESA-D. DUCROS.

  A equipa do MAGIC é na sua totalidade constituída por investigadores portugueses ou a trabalharem em Portugal. O mérito será com certeza português. Apesar do apoio financeiro, quais as principais dificuldades para se fazer investigação em Portugal?
  O principal problema prende-se com a situação profissional dos investigadores, a sua fixação profissional a uma instituição.

  Qual lhe parece ser a melhor solução para esse problema de falta de posições para os investigadores, em Portugal?
  Para mim seria um possível caminho, não uma solução para tudo. Por um lado, valorizar mais o trabalho dos Pós-Doutorados. Reformar as actuais bolsas de pós-doutoramento que não pagam impostos nem têm descontos obrigatórios para a Segurança Social. O investigador paga, se quiser, de Segurança Social o equivalente a ter recebido o ordenado mínimo durante o tempo em que fez esses descontos.
Na minha opinião, o Estado, em vez de dar, por exemplo 1000 bolsas de Pós-Doutoramento, dava só 500, mas com um contrato, com direitos como qualquer outro trabalhador, com descontos para o IRS, para a Segurança Social, com direito a férias, a uma reforma decente.

  Aí surge um outro problema, as Universidades actualmente queixam-se de um excedente de professores em algumas áreas face à diminuição do número de alunos, para além de não apostarem muito na investigação científica. Para onde iriam trabalhar esses investigadores?
  Esse seria o próximo passo: primeiro era mudar as condições a dar aos investigadores em termos de situação profissional, depois a próxima dificuldade é a mudança de mentalidade dentro das Universidades. Eu propunha que os Pós-Doutorados fossem integrados no Ensino, nas Universidades. Com um contrato de trabalho com uma Universidade, os Pós-Doutorados teriam de contribuir com uma percentagem do seu tempo a leccionar na Universidade, poderiam "aliviar" os horários de muitos professores para que estes também se pudessem dedicar à sua própria investigação. Além disso, em qualquer concurso, ter dado aulas em qualquer estabelecimento de ensino conta muito para o curriculum de um investigador. Pode ser muito bom investigador, mas se não tiver dado aulas, vai logo para o fim da lista. Isto pode não resolver todo o problema, mas pode ser um passo em frente. Pode ser feito com os dinheiros que existem, não é preciso ir buscar mais dinheiro. É verdade que se irão contratar menos pessoas, mas pelo menos será em melhores condições. É um caminho.


Imagem da superfície de Marte. Cortesia: G. Neukum (FU Berlin) et al., Mars Express, DLR, ESA.

  De todos os planetas do Sistema Solar, qual é o que lhe desperta maior curiosidade? Porquê?
  Não sei... é difícil de responder, porque todos são muito interessantes...

  Por hipótese... se tivesse uma nave espacial aos seu dispor, qual era o primeiro planeta que visitava?
  Pois assim, talvez começasse por Júpiter para saber se tenho razão ou não nas minhas conclusões... (risos). Mas Titã (lua de Saturno) também é muito interessante, é um mistério, mas em breve saberemos mais sobre ele. Titã é um "laboratório químico", composto por muitos elementos que são a base da vida.

  Que conselho daria a um jovem estudante que quisesse ser astrónomo?
  Para ser astrónomo, qualquer interessado deve começar por tirar uma Licenciatura em Física ou Astrofísica. Depois deve definir a área de investigação que quer estudar, deve realizar o Mestrado e a seguir o Doutoramento. Esse último, poderá ser cá ou no estrangeiro, consoante a área que escolher. Ir para o estrangeiro é um caminho muito lógico, porque cá ainda há muito pouco. Há projectos de investigação, mas é preciso encontrar alguém que queira orientar esse trabalho...

  O futuro desses jovens pode passar por Marte?
  É provável... Marte vai dar muito trabalho! Haverá muitos dados para analisar. Vai implicar muitas pessoas.


Eugénia Carvalho
OAL
© 2004 - Observatório Astronómico de Lisboa