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O Sol: como torná-lo numa estrela ameaçadora

(Resumo da palestra de Janeiro)

Embora a quase totalidade da energia produzida pelo Sol seja emitida sob a forma de luz visível, uma pequenísima fracção, através de mecanismos que ainda não conhecemos bem, é armazenada em campos magnéticos no Sol e utilizada no aquecimento da coroa solar. A coroa solar é a atmosfera exterior do Sol, extremamente quente (acima de um milhão de graus Celsius), e bastante ténue, que se estende pelo espaço entre os planetas sob a forma de vento solar. A energia armazenada nos campos magnéticos do Sol é libertada, com alguma regularidade, em fenómenos muito energéticos que perturbam o espaço interplanetário, incluindo o espaço na vizinhança da Terra, onde podem ter um efeito nefasto sobre sistemas tecnológicos humanos.

Foi preciso esperar até ao século XIX, com a invenção do telégrafo, para registar os primeiros impactos da actividade solar em sistemas tecnológicos humanos. Os operadores de telégrafo notaram muitas vezes, sobretudo em estações bastante ao Norte, a presença de correntes eléctricas anómalas nas linhas, que na Escandinávia chegaram mesmo a provocar incêndios. Verificou-se depois que essas correntes anómalas estavam relacionadas com o fenómeno das auroras boreais. O primeiro indício de uma possível ligação com o Sol surgiu em 1859, quando Carrington notou uma fulguração intensa na vizinhança de um grande complexo de manchas solares. Algum tempo após essa fulguração ocorreu uma aurora boreal, e algumas pessoas sugeriram uma ligação entre os dois fenómenos. Carrington recusou a associação, pois embora as auroras boreais fossem um fenómeno relativamente frequente, as fulgurações na superfície do Sol nunca antes tinham sido observadas. Na verdade, as fulgurações são um fenómeno bastante frequente, e estão de facto relacionadas com auroras boreais, embora as fulgurações como a observada por Carrington sejam bastante raras. A energia emitida pelo Sol sob a forma de luz visível é tão intensa que a contribuição da maioria das fulgurações passa despercebida. No entanto, em comprimentos de onda invisíveis, como os raios-X ou ultravioleta, a contribuição das fulgurações pode exceder por um grande factor a emissão do Sol calmo.

As manifestações mais energéticas, e também as mais dramáticas, da actividade solar só seriam descobertas muito depois, a 14 de Dezembro de 1971, nas observações de um satélite chamado OSO-7. Esse satélite transportava um coronógrafo, um instrumento que bloqueia a luz do disco solar e permite ver a coroa solar. O que o OSO-7 observou pela primeira vez foi uma imensa nuvem de gás electrificado (um plasma) a ser lançada no espaço pelo Sol, algo que passou a designar-se por ejecção de matéria coronal.

Mostramos em baixo um exemplo de uma ejecção de matéria coronal observada pelo coronógrafo LASCO a bordo do satélite SOHO. As imagens (apenas hemisfério oeste) foram tiradas no dia 20 de Abril de 1998, e nelas podemos ver claramente o movimento rápido de uma grande estrutura, que cobre mais de 2 milhões de quilómetros em menos de meia hora.

Fig. 1 Instrumento Lasco da sonda SOHO.
Actualmente, em período dito de máximo solar, ocorrem 2 a 3 ejecções de matéria coronal por dia. Embora a magnetosfera terrestre nos proteja dos efeitos nocivos das fulgurações e das ejecções de matéria coronal (não há razão para alarme quanto ao impacto sobre a saúde humana), os sistemas electrónicos em órbita ou próximos das regiões polares podem ser ameaçados.

Os sistemas tecnológicos actuais são bastante mais avançados que os telégrafos do século XIX, e alguns deles são também bastante mais susceptíveis de serem afectados pela actividade solar. O estudo das ejecções de matéria coronal, em particular as suas origens, propagação, e a forma como afectam sistemas tecnológicos no solo e satélites em órbita da Terra, é uma parte importante daquilo a que se chama "meteorologia espacial".


Dr Dalmiro Maia
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa



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