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Trânsito de Vénus Seguro
No dia 8 de Junho próximo, o planeta Vénus atravessará lentamente o disco solar, durante toda a manhã, um fenómeno descrito nas páginas deste boletim. Este acontecimento durará aproximadamente 6 horas, e constitui uma oportunidade única para a Europa até ao ano 2117.
As características desta conjunção planetária fazem com que o lado escuro de Vénus possa ser observado da Terra por visão directa do olho humano, como um ponto preto sobre o disco solar. Contudo, há graves riscos para a visão humana se os procedimentos de segurança apropriados não forem seguidos. A má utilização dos filtros solares ou de aparelhos de observação, assim como uma observação prolongada, podem causar cegueira instantânea ou gradual sem regressão! Procuramos aqui elucidar sobre os riscos envolvidos, para que o trânsito de Vénus seja uma ocasião inesquecivel apenas pelas melhores razões.
A radiação solar: A radiação electromagnética solar pode ser dividida, consoante a energia crescente dos fotões que a constituem, em ondas de rádio, microondas, radiação infravermelha, luz visível, radiação ultravioleta, raios-X e raios gama. Do ponto de vista médico temos que nos preocupar com os fotões mais abundantes na radiação solar. Estes incluem a luz visível, pois o pico da radiação está no verde-amarelo. Porém, há ainda uma contribuição importante dos infravermelhos próximos e uma quantidade não desprezável de raios ultravioleta (UV) muito energéticos.
Os UV situam-se para lá do extremo azul do espectro visível. Os mais energéticos têm energia suficiente para quebrar algumas ligações químicas e induzir reacções fotoquímicas entre moléculas nos tecidos celulares. Felizmente, o ozono na atmosfera terrestre absorve a maior parte dos UV. Contudo, a pequena parte que atravessa a camada de ozono, devido à energia envolvida, é responsável pelo aparecimento do cancro da pele e na produção de cataratas nos olhos. A energia dos raios azul-violetas até aos UV é responsável por uma cadeia complexa de reacções que levam à destruição de cones e bastonetes, os sensores de luz do olho.
A restante radiação solar não é, por si só, nociva ao corpo humano. Porém, se exposto a intensidades e doses elevadas de radiação óptica e infravermelha (IV), por exemplo, esta pode produzir um aquecimento exagerado das células e tecidos mais sensíveis. A elevação da temperatura retiniana é induzida pela luz entre os 0,5 e os 1,4 mícrons (verde-amarelo, vermelho e IV), absorvida no tecido epitelial pigmentado escuro situado debaixo da retina e transformado em calor. Para intensidades elevadas de luz a retina pode literalmente ficar "cozida" por este efeito! Basta uma exposição inferior ao minuto (sem filtros oculares protectores) para o aparecimento de lesões. Os riscos são ainda maiores nos jovens e em pessoas que tenham o tecido ocular enfraquecido (após cirurgias oculares ou com patologias associadas à diabetes, por exemplo). É, portanto, essencial a utilização de filtros apropriados.
A importância dos filtros solares: Os filtros solares para serem efectivos e dar segurança à visão humana têm de eliminar a radiação solar nociva (UV e IV) e reduzir a intensidade da luz visível para níveis confortáveis e seguros. Um filtro já adequado à observação solar tem uma transmitância de 0,0032% na zona do visível e menor do que 0,5% no infravermelho, o que corresponde a uma densidade (de negro) 12 nos Vidros de Soldadura a arco.
A Norma Europeia EN169/1992 define os níveis de densidade 12 a 16 com sendo de máxima segurança para a observação solar directa. A norma EN167 estabelece que a transmitância de filtros solares nos UV não deve exceder os 0,003% e nos IV não deve exceder os 0,027% (em qualquer comprimento de onda). A Directiva Europeia CEE 89/686 estabelece que os filtros para observação solar directa devem estar devidamente identificados com o fabricante, ter informações sobre segurança, instruções de uso e armazenamento, prazos de validade, etc.
O filtros solares que obedecem às normas europeias são da mais alta qualidade e seguem processos de fabrico que garantem aspectos fundamentais na sua utilização segura, como a uniformidade de transmitância em toda a superfície e de acordo com a norma EN167, estarem adaptados à intensidade solar máxima, com o Sol no zénite, e ausência total de microfuros, arranhões ou imperfeições que deixem localmente passar mais radiação do que a permitida. Qualquer fuga a estas características tornam os filtros impróprios para observação solar directa com absoluta segurança.
A utilização de vidros cobertos de negro de fumo, radiografias, negativos fotográficos negros, CD's e outros materiais torna-se muito perigosa pois não reúnem todas as condições que garantem uma utilização segura para observação solar directa e ocular. Por exemplo, os negativos fotográficos negros ou os vidros cobertos de negro de fumo têm uma transmitância no IV que varia entre os 47% e os 64%, levando ao "cozer" lento da retina. Disquetes de computador e CD-ROMs, para além de transmitâncias elevadas no IV, podem ter micro perfurações e densidades muito heterogéneas. A utilização destes pseudo-filtros é pois extremamente perigosa!
Por último, a utilização combinada dos filtros solares para uso ocular com instrumentos ópticos activos (binóculos, câmaras fotográficas ou telescópios) deve ser totalmente evitada. Não o faça e impeça as pessoas de o fazerem. A razão é que estes aparelhos concentram a luz solar sobre uma área pequena no filtro, ficando a imagem do sol muito mais brilhante do que os valores declarados nas normas que regulam a intensidade máxima para a retina ocular.
Trânsito de Vénus em segurança: A utilização de filtros solares para protecção dos olhos (filtros oculares) ou dos equipamentos, como os usados para observação dos eclipses solares, é absolutamente imperiosa. Só através deles se poderá observar um disco solar luminoso bem definido, onde o ponto escuro (Vénus) fica bem recortado e no qual progride lentamente. Porém, não deve fazer uma observação continuada do VT2004 durante horas, mesmo usando os filtros oculares. Faça pausas para permitir que os seus olhos descansem.
A capacidade de visão do ponto negro (Vénus) sobre o disco Solar pressupõe ainda uma vista sã. Se usar óculos deve colocar os filtros solares antes deles. Se não conseguir ver o ponto negro de Vénus sobre o Sol à primeira tentativa, então não esforce a vista e desista da observação directa. Recorra à observação por projecção que aumenta a imagem e proporciona uma visão segura e confortável. As observações de maior segurança e que permitem boa exactidão na medição deste fenómeno astronómico recorrem à projecção da imagem solar num alvo, ou fazem-se através de um telescópio equipado com filtro objectivo solar adequado (que é um equipamento especializado).
Pode ainda dirigir-se a um local com observações do Trânsito de Vénus coordenadas por pessoas qualificadas. Como exemplos temos os Observatórios Astronómicos de Lisboa e de Coimbra, Centros Ciência Viva, Centros de Investigação de Astronomia, Universidades, Grupos de astrónomos amadores, Escolas com Grupos de Astronomia, etc.
E lembre-se: o uso de óculos de Sol muito escuros, fotos negativas, radiografias, vidros negros de fumo, ou combinações destes, não garantem a segurança da sua visão nem evitam uma possível cegueira. Não os utilize.
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© 2004 - Observatório Astronómico de Lisboa
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