Página - 1* A graciosa galáxia Remoinho M51 e a pequena NGC 5194, duas companheiras galácticas. 2* Também a mim, ninguém me cala...!
* Agenda
3* Um pequeno exoplaneta gelado
* O crescimento dos maiores buracos negros
4 5* Com as horas trocadas
Hora de Inverno/Hora de Verão
6* Para Observar em Março
  VISIBILIDADE DOS PLANETAS
  Alguns Fenómenos Astronómicos
  Fases da Lua
* Astro Sudoku
7* O Céu de Março
* Nascimento, Passagem Meridiana e Ocaso dos Planetas
(Versão do Boletim em PDF)

O Telescópio Espacial Hubble e o seu Sucessor
[Parte II]

Foi na sua procura incessante pelo conhecimento que a Humanidade atingiu os maiores feitos a nível tecnológico. O telescópio espacial Hubble, um triunfo do engenho humano, tem sido talvez o instrumento com maior produtividade científica dos nossos tempos. Com o final do Hubble, a busca pelas nossas origens não terminará. Novos horizontes se avizinham, e um novo instrumento surge para auxiliar nessa jornada: o Telescópio Espacial James Webb.

A missão

Há quase 16 anos que o Hubble tem vindo a oferecer respostas a muitas perguntas. Mas na sua caminhada para nos elucidar acerca dos segredos que o Universo esconde, também levantou novas questões que para serem respondidas necessitam de um novo tipo de instrumento.


Ilustração artística do telescópio espacial James Webb. Créditos: Northrop Grumman Space Technology.

Integrado no programa "Origens" da NASA, projecto que visa o estudo da origem e evolução das galáxias, planetas e em última instância, da vida, o telescópio espacial James Webb (JW) continuará a exploração científica iniciada com o Hubble.

Na sua missão, este instrumento, resultado de um esforço conjunto entre a NASA, ESA e a CSA (Agência Espacial Canadiana), terá como principais objectivos:


  • Detecção e estudo das primeiras galáxias e estrelas a formarem-se no Universo
  • Estudo da formação e evolução galáctica, estelar e planetária
  • Estudo dos elementos produzidos pelas estrelas
  • Determinação da geometria do Universo
  • Investigar a natureza e abundância da matéria negra

Observar No Infravermelho

Devido às distâncias colossais que separaram a Terra dos objectos que muitas vezes queremos estudar, tais como as galáxias e as estrelas, torna-se impossível realizar uma investigação directa a esses corpos. Como tal, a única informação que podemos obter destes, é através da radiação electromagnética que emitem, mais vulgarmente conhecida por luz. Toda a luz emitida por um corpo celeste é composta por várias cores diferentes. Se deixarmos a luz do Sol incidir directamente num prisma, este vai decompô-la nas diferentes cores do arco-íris, o chamado espectro visível. No entanto, a luz para a qual o olho humano está optimizado (a luz visível, com comprimentos de onda compreendidos entre os 0,4 e os 0,7 micrómetros), representa apenas uma pequena porção da gama total na qual a radiação electromagnética se distribui - o espectro electromagnético. Num dos extremos deste espectro, temos a radiação com comprimentos de onda menores que o da luz visível - os raios-gama, raios-x e a luz ultra-violeta. No outro extremo, temos a radiação com comprimentos de onda maiores que o da luz visível - infravermelhos, micro-ondas e ondas de rádio.

Um dos principais objectivos da missão do James Webb é detectar e estudar as primeiras galáxias e estrelas a formarem-se no Universo. Como a luz viaja a uma velocidade finita, demora um certo tempo a chegar até nós, provinda de qualquer ponto do espaço. Então, para conseguirmos observar estas primeiras estrelas e galáxias, será necessário olhar para o espaço longínquo, e ao fazê-lo estaremos também a olhar para trás no tempo. Devido à expansão do Universo, quanto maior a distância a que um objecto se encontra, maior será a velocidade com que este se afasta. De acordo com um fenómeno designado por Efeito de Doppler, a luz que recebemos deste objecto sofrerá então um desvio para comprimentos de onda maiores (para a região dos infravermelhos próximos e médios, entre os 0,6 e 28 micrómetros). Como tal, para podermos detectar e estudar estes objectos, teremos de realizar observações na região dos infravermelhos.

A formação de estrelas e de planetas ocorre no centro de nuvens densas e poeirentas. As poeiras presentes nestas nuvens, absorvem ou "espalham" a luz proveniente das estrelas em formação no seu interior, num processo designado por extinção estelar. Assim, a nuvem observada no comprimento de onda do visível será vista como uma região escura e desprovida de qualquer tipo de estrela. Para comprimentos de onda maiores, a radiação proveniente da estrela no interior da nuvem será menos afectada pelas partículas de poeira. Assim, a radiação infravermelha consegue "escapar" ao obscurecimento da nuvem. Observando esta radiação, invisível ao olho humano, será então possível olhar para o interior da nuvem densa e escura, e ver os processos que conduzem à formação de estrelas, e consequentemente de planetas (ver figura 1).


Fig. 1 - Imagem óptica (esquerda) e no infravermelho próximo (direita), de uma mesma nuvem molecular escura, designada por Barnard 68. Créditos: ESO.

Foram estas as principais razões que levaram à optimização do telescópio James Webb, para a observação no infravermelho.


James Webb vs Hubble

Desde a altura em que o Hubble foi construído, que a tecnologia sofreu um grande avanço. O James Webb será um telescópio de "nova geração".

Para observar as primeiras galáxias, terá que colectar o máximo de luz proveniente destas. Como tal, uma das maiores inovações será o espelho primário, formado por 18 segmentos hexagonais, que terá aproximadamente um diâmetro de 6,5 metros, enquanto o do Hubble possui um diâmetro de 2,4 metros. A opção por esta geometria, deve-se ao facto de este não caber (desdobrado) em qualquer tipo de veículo espacial. Como tal, o espelho primário do JW, irá dobrado no veículo que o levará até ao Espaço, e uma vez lá, será então totalmente colocado na sua posição original.

Qualquer objecto relativamente "quente", emite radiação infravermelha. Como o JW realizará observações no infravermelho, se estivesse à mesma temperatura que o Hubble, a luz proveniente de galáxias distantes seria "perdida" na própria luz infravermelha proveniente do telescópio. Como tal, o James Webb terá de estar a temperaturas criogénicas de aproximadamente -220 graus Celsius. A maioria dos materiais conhecidos, sofre deformações a estas temperaturas. Assim, a construção do espelho está a ser feita à base de um material chamado Berílio que é bastante resistente numa vasta gama de temperaturas, algo que se pretende, pois qualquer deformação originaria imagens defeituosas. Uma outra vantagem deste material é o facto de ser bastante leve, o que facilita a sua colocação no Espaço. O espelho primário do JW, embora seja consideravelmente maior que o do telescópio Hubble, terá apenas um terço do seu peso. Isto faz com que o JW, seja mais leve que o Hubble, com um peso de aproximadamente 6200 kg.

O James Webb possuirá um poder de resolução óptica de 0,1 segundo-de-arco, o que permitiria ao ser humano, caso a sua visão possuísse esta resolução, distinguir os detalhes de uma bola de futebol à distância de 550 quilómetros.


O Ponto 2 de Lagrange

Uma das maiores diferenças entre o telescópio JW e o Hubble, está nas suas órbitas. Devido ao facto de o principal requisito do James Webb ser a observação da luz infravermelha proveniente de objectos distantes e muito débeis, este terá de estar a temperaturas muito baixas. Para tal, precisa de estar resguardado de qualquer radiação proveniente do Sol e da Terra. Para o efeito, o JW terá incorporado um escudo, com aproximadamente as dimensões de um campo de ténis (22×10 metros), que o resguardará da radiação proveniente destes corpos, evitando assim que esta o aqueça e que interfira com as suas observações. No entanto, para que o escudo possa protegê-lo da luz destes dois objectos, o JW precisa de ser colocado num ponto do espaço onde o Sol e a Terra estejam sensivelmente na mesma direcção a qualquer instante. O ponto mais conveniente para este efeito, é o chamado Ponto 2 de Lagrange (L2).

Na procura de uma configuração estável, em que três corpos se pudessem orbitar mutuamente e manter a mesma posição relativamente uns aos outros, o matemático Joseph Louis Lagrange descobriu, no século XVIII, cinco soluções possíveis, que são designadas por Pontos de Lagrange (ver figura 2). Colocado em qualquer um dos pontos L1, L2, L3, o James Webb estaria em qualquer momento alinhado com a Terra e o Sol.


Fig. 2 - Pontos de Lagrange do sistema Sol-Terra. Créditos: NASA.

O ponto L2 revelou ser o mais propício para a posição do JW, pois é o ponto mais perto da Terra onde esta e o Sol estão alinhados segundo a mesma direcção, fazendo com que seja possível tapar o telescópio com o escudo protector. O facto de no ponto L2, as forças gravíticas da Terra e do Sol se equilibrarem, permitindo assim uma maior estabilidade relativa do aparelho, e um menor número de correcções de posição, juntamente com o facto de neste ponto as condições de temperatura serem as mais propícias para as observações no infravermelho, são outras razões que fundamentam a escolha desta órbita.

Uma vez neste ponto, depois de uma viagem que durará três meses, o JW estará localizado a 1,5 milhões de quilómetros da Terra, e um grande inconveniente surge. Desde que entrou ao serviço da Ciência, o telescópio Hubble já necessitou de várias missões de manutenção e de reparação, para as quais foi necessário enviar seres humanos. No entanto, no caso do JW, qualquer tipo de reparação que seja necessária, será impossível de realizar, com a tecnologia que dispomos hoje, pois este estará numa órbita muito para além da Lua.

Como tal, tudo neste observatório terá de ser cuidadosamente planeado, testado e elaborado.

Com lançamento previsto para o início da próxima década, o nome deste instrumento foi atribuído em memória de um dos primeiros administradores da Agência Espacial Norte Americana e principal responsável pelo programa Apolo, que permitiu à Humanidade pisar pela primeira vez um corpo fora da Terra - a Lua.

Está previsto que este telescópio tenha um tempo de vida de cinco anos, embora se espere que esse mesmo tempo possa ser prolongado para 10 anos.

Com o auxílio de novos e melhorados instrumentos que levará a bordo, e com as suas características inovadoras, espera-se que este observatório espacial possa continuar o trabalho começado pelo Hubble, respondendo às perguntas que actualmente tanto nos intrigam. Porque está na natureza do ser humano a procura pela compreensão da sua origem, esta nunca cessará, e o James Webb é a prova disso!

João Retrê
OAL
© 2006 - Observatório Astronómico de Lisboa