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(Versão do Boletim em PDF)

O sucesso das sondas marcianas


O fascínio pelo planeta Marte apresenta um longo historial. Desde os "canalli" de Schiaparelli (astrónomo italiano que, em 1887, afirmou ver sulcos na superfície do planeta vizinho), às famosas emissões de rádio de Orson Welles, é claro que Marte ocupa no nosso imaginário um lugar cativo. O seu relevo a nível científico tornou-se claro para todos quando sondas detectaram provas da existência de água no subsolo, entre as conhecidas investigações acerca da possibilidade de existência e desenvolvimento de vida. Marte é considerado por alguns o planeta onde a "colonização" ou "terraformação" se assemelham como praticáveis. Uma quantidade impressionante de missões visou o planeta vermelho, muitas vezes sem sucesso. Mas dentre elas, a Spirit e a Opportunity destacaram-se, apresentando um desempenho sem precedentes. Quais as razões em volta deste sucesso?


Maior imagem panorâmica (360 graus) obtida na missão, registada pela Spirit. Foi criada através da sobreposição de 653 imagens, obtidas com 6 filtros diferentes. Seria assim que um ser humano veria Marte, se estivesse na sua superfície. Cortesia NASA/JPL-Caltech/USGS/Cornell.

Spirit e Opportunity são os dois robôs-geólogos gémeos que constituem o programa Mars Exploration Rovers. Foram concebidas para estudar e caracterizar uma vasta gama de rochas e solos rochosos, sendo desenhadas de modo a actuarem da maneira mais próxima possível a um astronauta geólogo. Possuem uma câmara panorâmica montada a cerca de 1.5 m do solo, de modo a permitir uma visão de campo abrangente. O seu braço robótico é composto por duas juntas análogas ao pulso e cotovelo humanos. Está equipado com magnetos e instrumentos erosivos de modo a manipular as amostras e seleccionar as suas zonas de interesse para a análise. Três espectrómetros (aparelhos que analisam a radiação electromagnética emitida por um corpo e permitem inferir as suas propriedades químicas), uma câmara panorâmica e outra microscópica vão examinar as amostras recolhidas. A câmara microscópica montada sobre o braço tem um papel equivalente à lupa de bolso do geólogo ferrenho. O objectivo principal das sondas é analisar a possibilidade de ter existido água no estado líquido na superfície de Marte. Para tal, foram enviadas para duas zonas opostas na superfície do planeta que apresentam indícios de presença de água, no passado: a Cratera de Gusev e a Meridian Planum.

A missão que tinha um período previsto de 90 dias fez em Janeiro de 2006 o segundo aniversário da sua aterragem. Os rovers marcianos sobreviveram mais do que sete vezes o período de tempo para o qual foram desenhados, percorrendo uma distância de cerca de 10 vezes a estimada inicialmente. Sobreviveram a um Inverno marciano (notar que o ano marciano conta 687 dias terrestres) e preparam-se agora para enfrentar o segundo. Foram um sucesso retumbante; todos os componentes apresentaram uma resistência muito para além do esperado. Para tal, contribuíram certamente os fracassos nas missões Mars Climate Orbiter e Mars Polar Lander, tornando os engenheiros e cientistas ultra-zelosos nas missões subsequentes. Cada peça de hardware presente na Spirit e na Opportunity foi testada por um período três vezes superior ao da missão, sendo identificadas inúmeras falhas possíveis até ao nível da quase-paranóia. A nível geral, pode-se dizer que foram tomadas opções conservadoras na concepção das sondas; foram construídas para fazer menos, de uma forma mais fiável.

E, para além de todo o cuidado tomado no seu design e construção, a sorte esteve do lado das visitantes. Para perceber como, temos que compreender um pouco acerca do funcionamento dos pequenos robôs. As sondas são alimentadas por baterias eléctricas, recarregadas por painéis solares. Era bastante claro para os cientistas que a acumulação gradual de poeira sobre os painéis solares acabaria por impedir o seu funcionamento. Para o cálculo da longevidade da actuação dos painéis solares - e consequentemente das sondas - foram utilizados os valores recolhidos pela missão PathFinder em 1997. O que não se poderia prever era que a ocorrência de rajadas de vento removeria os detritos acumulados sobre os painéis solares! O tempo de vida dos pequenos robôs foi aumentado significativamente pela benevolente meteorologia marciana. Ambos os rovers foram concebidos de modo a que os seus painéis pudessem gerar 900 Watt por hora, quando a funcionar no máximo da sua capacidade. Actualmente, a deposição de poeiras reduziu a produção da Spirit para 650 Watt e a da Opportunity para 700. As sondas encontram-se ainda bastante afastadas da potência mínima produzida necessária para o seu funcionamento, cerca de 300 Watt.

Apesar das extremas provas de resistência dadas, a missão pode estar próxima do fim. A redução gradual da capacidade das baterias, acompanhada da acumulação de poeiras, reduzirá a capacidade de colecção de energia. Além disso, à medida que o tempo passa, Marte encontra-se mais afastado do Sol e este apresenta-se cada vez mais a norte em relação à latitude de aterragem. Ambos os factores contribuem assim para a redução da iluminação da zona de trabalho dos rovers. Com o passar do tempo, chegará o dia em que as baterias não acumularão energia suficiente que permita manter os instrumentos em standby durante a noite.

Mas a verdade é que as sondas poderão descansar em paz no planeta vermelho, pois já proporcionaram aos cientistas muito mais dados que aqueles que se supunha delas obter. Não há ninguém que possa criticar a audácia dos pequenos robôs.


Para saber mais:

Página Oficial da Missão Mars Exploration Rover:
http://marsrovers.jpl.nasa.gov/mission/status.html
Mapa virtual das posições das sondas no planeta vermelho:
http://marsoweb.nas.nasa.gov/dataViz/index.html
Missões a Marte realizadas até à data de 2000:
http://www.matessa.org/~mike/mars.html
Os canalli de Schiapparelli, um pouco de história que rodeia o tema:
http://en.wikipedia.org/wiki/Giovanni_Schiaparelli
http://www.portaldoastronomo.org/tema_16_1.php

Pedro Figueira
© 2006 - Observatório Astronómico de Lisboa