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Os Melhores Observatórios do Mundo

As planícies de San Agustin, no Novo México, foram o local escolhido para a localização do VLA, por serem amplas, remotas e a uma altitude considerável. Cortesia National Radio Astronomy Observatory/Associated Universities, Inc.

  "Se for mordido por uma cobra cascavel, mantenha-se quieto até chegar socorro" - este é provavelmente o conselho mais útil para o astrónomo visitante ao Very Large Array (VLA), no Novo México, nos EUA. É que o VLA, um dos melhores rádio-telescópios do Mundo, situa-se nas planícies de San Agustim, a cerca de 80 km da cidade de Socorro, no Novo México, numa região onde habitam sete espécies de cascavéis. Ah, e não conte com o telemóvel para pedir ajuda. É que a região está fora da cobertura das redes nacionais - a interferência provocada nos rádio-telescópios tornaria inútil qualquer observação astronómica...
  A história do VLA está intimamente ligada à história da rádio-astronomia. Os trabalhos pioneiros de Karl Jansky, na década de trinta, e de Grote Reber na década seguinte, revelaram a possibilidade de observações astronómicas em rádio-frequências, se bem que a resolução obtida fosse muito baixa (para um telescópio, quer seja óptico ou rádio, a resolução, a capacidade de separar dois objectos muito próximos, melhora à medida que o diâmetro do instrumento aumenta e o comprimento de onda diminui; ou seja, a resolução de um rádio-telescópio é muito pior que a de um telescópio óptico do mesmo tamanho).

Ao contrário do que alguns filmes mostram (quem não se lembra do "Contacto", onde o VLA assume um papel principal?), os rádio-astrónomos não "ouvem" o Universo. Tal como no óptico, as observações em rádio captam ondas electromagnéticas, que apenas diferem do óptico (ou dos raios-X, ou do infravermelho) no seu comprimento de onda. Cortesia NRAO/AUI.

Na década de cinquenta, os astrónomos descobriram uma forma de melhorar a resolução dos rádio-telescópios, evitando a construção de aparelhos gigantescos: bastava unir o sinal de dois ou mais radio-telescópios através de uma técnica designada por interferometria, que possibilita simular a resolução de um rádio-telescópio com o tamanho correspondente à maior separação entre os rádio-telescópios componentes. A década de sessenta viu crescer o interesse pela rádio-astronomia, e a necessidade de construir rádio-telescópios potentes. O projecto do VLA foi então lançado, com vista à construção de um rádio-telescópio capaz de obter imagens no rádio com uma resolução comparável à dos telescópios ópticos (cerca de 1 segundo de arco). Após alguns anos de impasse, os fundos destinados a este projecto foram finalmente aprovados em 1972 pelo Congresso norte-americano. O local para o observatório foi também escolhido nesta altura: as planícies de San Agustim, no Novo México, por serem amplas, isoladas e a uma altitude considerável (2100 metros). A existência de cascavéis não foi tida em consideração ...
  A construção de um projecto de tal envergadura demoraria, contudo, algum tempo. Apenas em

As diferentes configurações do VLA exigem a deslocação das antenas ao longo de vários quilómetros. Tal é possível recorrendo a veículos especiais (estamos a falar de antenas com 230 toneladas...), que se deslocam sobre carris. Cortesia NRAO/AUI.

1979 o último dos rádio-telescópios, ou antenas, chegou ao local, e só em 1980 o VLA foi formalmente acabado. Com 27 antenas, cada uma com 25 metros de diâmetro, este é um dos mais poderosos rádio-telescópios existente. As observações obtidas por cada uma das antenas são combinadas electronicamente (por interferometria) de forma a simular as observações que se poderiam obter usando uma super-antena muito mais poderosa, com características que dependem da configuração particular em causa. É que as antenas estão colocadas sobre carris, ao longo de um enorme Y, e podem ser deslocadas (apesar das 230 toneladas de cada uma) para ocuparem diferentes localizações, de acordo com os objectivos de determinada observação astronómica. Na configuração mais extensa (configuração A), as antenas encontram-se espalhadas por cada um dos braços do Y, até cerca de 21 km do centro. Nesta configuração, o VLA possui a resolução que seria possível obter com uma única antena de 36 km de diâmetro. É possível também ter as antenas em configurações mais compactas, mais indicadas para obter informação sobre estruturas extensas e ténues no céu. Na configuração D as 27 antenas encontram-se todas a menos de 0.6 km do centro - tão próximas que é necessário ter cuidado com uma antena tapar a visão da vizinha... Ao contrário do que acontece com a maioria dos telescópios ópticos, as observações com o VLA não necessitam de ter o próprio astrónomo "interessado" presente. Fornecidos os detalhes do projecto de investigação, os funcionários do VLA encarregam-se de operar o telescópio da melhor maneira possível. Contudo, uma visita é sempre aconselhável, para um melhor conhecimento do instrumento e de como correram as observações (a actividade solar, interferências humanas e detalhes técnicos podem perturbar uma observação, algo que deve ser

As diferentes visões das galáxias 1144+350 (painel superior) e 1646+499 (painel inferior), no óptico (à esquerda) e no rádio (à direita). Apenas as observações no rádio revelam o carácter mais sombrio de duas galáxias opticamente "desinteressantes"...

corrigido à posteriori). E, obviamente, é sempre útil testar as qualidades de sobrevivência com um passeio pelo deserto em torno do VLA, onde as sete espécies de cascavéis habitam... Após duas décadas de observações do Universo, e para se manter na vanguarda da rádio-astronomia, o VLA está agora a preparar-se para um aumento substancial das suas capacidades. O Expanded Very Large Array (EVLA), terá, numa primeira fase, toda a sua electrónica - que data da década de setenta - revista e melhorada, com instalação de fibra óptica para a comunicação entre os sistemas digitais e a instalação de novos detectores mais poderosos. Numa segunda fase oito novas antenas serão instaladas, as distâncias do VLA actual que podem atingir os 300 km. Estas melhorias vão aumentar a resolução e sensibilidade do VLA, para além de lhe possibilitarem a extensão das observações a outras rádio-frequências (essencialmente poderá observar entre 300 MHz e 50 GHz).
  As observações de Maria João Marchã e colaboradores revelam bem a importância das observações no rádio. Utilizando o VLA, estes investigadores revelaram a presença de buracos negros activos no interior de galáxias opticamente "normais" (ver exemplos na figura seguinte). A compreensão das galáxias no Universo, necessita pois de observações que vão muito para além daquilo que os telescópios ópticos conseguem revelar... apesar das cascavéis...


José Afonso
CAAUL/OAL

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