As primeiras observações astronómicas no OAL
Não podíamos deixar terminar o ano sem assinalar a passagem dos 150 anos das primeiras observações astronómicas efectuadas no OAL, então Real Observatório Astronómico de Lisboa.
A 12 de junho de 1867 Frederico Augusto Oom, o organizador do OAL e que viria a ser o seu primeiro director, instala o primeiro instrumento. Trata-se do instrumento de passagens transportável, um instrumento de pequenas dimensões com uma abertura (diâmetro) de 7 cm e uma distância focal (comprimento) de 78 cm, destinado à determinação rigorosa da hora através de observações dos trânsitos de estrelas no meridiano do local. Ainda hoje se encontra na sala Leste do OAL sobre o seu pedestal, no mesmo local onde foi colocado há 150 anos por F. A. Oom na presença de Filipe Folque, Henrique de Barros Gomes, Ribeiro Guimarães e Luiz d’Almeida e Albuquerque.
No dia 21 de junho, avistou-se a primeira estrela no Real Observatório Astronómico de Lisboa. Segundo o diário de observações, foi a estrela Alkaid da constelação da Ursa Maior (η UMa), a estrela na extremidade do asterismo do arado. Recuando no tempo, calculamos que nessa data esta estrela atravessou o meridiano do OAL cerca de 16 minutos após o pôr do sol, ainda durante o crepúsculo. Podemos imaginar os astrónomos ao final da tarde com o instrumento preparado, ansiosamente à espera de vislumbrar a primeira estrela, até que pouco depois do ocaso ela aparece no campo de visão: foi a “first light” do instrumento.
Nos dias seguintes começaram as observações regulares com este instrumento, cuja missão era a medição precisa da hora. O OAL dispunha de pêndula de tempo sideral que necessitava de ser regularmente testada. Deste modo, o objectivo final era na prática o de acertar a pêndula. O método utilizado baseia-se na observação da passagem meridiana de estrelas com ascensão recta conhecidas. A hora local, em tempo sideral, no instante de passagem é exactamente igual à ascensão recta da estrela que transita. Determinado o tempo sideral, este é convertido em tempo solar médio do meridiano local. A diferença entre os dois tempos varia ao longo do ano, aumentando 3min 55,9s por dia. Relembre-se também que o tempo solar médio local difere, por um valor constante, do tempo universal (que ainda não estava definido em 1867 e para o qual veio a ser adoptado o tempo solar médio de Greenwich).
Na prática, o procedimento seguido incluía mais passos do que apenas a observação do trânsito de uma estrela, devido à necessidade de se corrigirem efeitos sistemáticos. Estes são essencialmente relacionados com a leitura do instante de passagem e com a calibração do instrumento. Um instrumento calibrado está alinhado com o meridiano, nivelado (ou seja, sem inclinação relativamente à vertical) e colimado (ou seja, o eixo óptico definido pelo retículo de fios usada para a marcação dos trânsitos está alinhado com o azimute do instrumento). Possíveis desvios nos 3 alinhamentos afectam a determinação da hora e são quantificados usando as próprias observações, podendo depois o seu impacto nos cálculos da hora ser corrigido. Estes 3 efeitos são parametrizados pelas constantes de azimute (a), inclinação (b) e colimação (c). Efectuadas estas correcções, a hora determinada pelos cálculos pode ainda diferir da hora sideral lida no cronómetro associado à pêndula no instante de passagem (T). Esta diferença que resta (ΔT) é devida à marcha própria do cronómetro e é o valor que se pretende obter de modo a poder corrigir a pêndula. A diferença entre a hora sideral verdadeira dada pela ascensão recta de uma estrela em trânsito (α) e a hora sideral de passagem lida (T), considerando todos os efeitos sistemáticos mencionados, é obtida com a seguinte equação:
Note-se que o impacto dos parâmetros de desalinhamento na determinação da hora, depende da distância zenital a que a estrela transita, dada pela diferença entre a latitude do local (φ) e a declinação (δ).
O procedimento observacional começava com a rectificação do instrumento de modo a que os efeitos sistemáticos de alinhamento fossem minimizados logo à partida. Em resumo, o instrumento era primeiro colimado mediante o alinhamento dos fios do reticulo com alvos. De seguida, o instrumento era nivelado observando uma estrela 3 minutos antes do trânsito, primeiro com o instrumento na posição normal e depois na posição invertida (rodado 180 graus em torno do seu eixo) e medindo as posições da bolha de nível. Fazia-se também coincidir tanto quanto possível o azimute do instrumento com o meridiano utilizando um teodolito. Depois destas observações preliminares, passava-se à observação principal dos trânsitos no meridiano. Cada noite era escolhido um conjunto de estrelas alvo, com coordenadas (α , δ) conhecidas, para as quais se marcavam os instantes de passagem T. Para cada estrela mediam-se vários tempos de passagem, à medida que atravessava os vários fios verticais no campo de visão, de modo a obter um valor médio mais preciso. A observação dos trânsitos de várias estrelas permitia obter um sistema de equações. Assumindo os parâmetros sistemáticos constantes para o conjunto das observações, a resolução do sistema de equações permitia determinar (ΔT, a, b, c). Esta premissa é válida para trânsitos próximos, em que ΔT se pode considerar constante. Quando isso não era possível a variação de ΔT era também tomada em consideração e era utilizada uma fórmula alternativa. É também necessário utilizar estrelas com distâncias zenitais diferentes para o sistema ser determinado.
Foi no dia 27 de junho de 1867 que pela primeira vez se efectuou este procedimento completo. No entanto, segundo registo de F. A. Oom, o cronómetro utilizado para a marcação dos instantes de passagem não se ouvia bem e algumas passagens foram consideradas pouco fiáveis, prejudicando a exatidão das medições. Dois dias depois, a 29 de junho, o procedimento foi enfim completado com sucesso, tendo resultado na primeira determinação fiável de todos os parâmetros. Nesta primeira medição de sucesso foram observadas as passagens meridianas de 4 estrelas: α da Ursa Menor (Polar), α da Virgem (Espiga), η do Boieiro (Muphrid) e α do Boieiro (Arcturo). As medições foram feitas ao início da noite, tendo passado 62min entre a primeira e a quarta passagem. Da solução do sistema obtiveram-se os primeiros resultados obtidos no OAL, que foram
Pode-se assim corrigir o tempo sideral medido nos 4 instantes e, mais importante, conhecer a marcha do pêndulo de forma a acertar a hora. Note-se também que a medição do parâmetro ‘a’ permitiu identificar o azimute do meridiano com uma precisão de décimo de segundo de arco. Este resultado é relevante pois serviu para determinar o local onde iria ser colocada a marca meridiana da sala Leste. Os trabalhos de construção dessa marca iniciaram-se logo no mês seguinte. A marca é uma pequena casa construída a cerca de 100 metros do observatório dentro da qual está um ponto de mira marcado numa peça metálica fixa num pilar assente na rocha e isolado das paredes da casa. Marcas idênticas foram construídas para todos os instrumentos, servindo para a sua rectificação.
Bibliografia
Oom, Frederico Augusto, Jornal dos trabalhos por mim efectuados no Real Observatório Astronómico de Lisboa (s.d.)
Oom, Frederico Augusto, Observações feitas com o instrumento de passagens transportável no Real Observatório de Lisboa (s.d.)
Oom, Frederico Augusto, Instruções sobre o emprego de um universal como instrumento de passagens, Imprensa nacional (1895) (publicação póstuma)
Oom, Frederico, Exame de um Nível no Observatório da Tapada, Imprensa nacional (1926)
Ribeiro, José Silvestre, O Real Observatório Astronómico de Lisboa: notícia histórica e descritiva (1871)
NOTA:
O artigo sobre “As primeiras observações astronómicas no OAL” foi feito pela astrónoma do Observatório Astronómico de Lisboa, Dr.ª Suzana Ferreira em colaboração com o investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, Doutor Ismael Tereno.
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