Para fazer uma ideia das crises que ciclicamente afectam as instituições desta natureza, julgo1 interessante recordar como nasceu o Observatório Astronómico de Lisboa.
Em meados do século passado, a determinação das paralaxes das estrelas constituia a preocupação dominante dos astrónomos de então. Depois de Frederico Bessel, em 1840, ter conseguido, pela primeira vez, determinar a paralaxe de uma estrela – a 61 Cisne – a partir das observações heliométricas, novos métodos foram aparecendo e, assim, novas determinações de paralaxes iam surgindo. Consoante os métodos utilizados, assim eram os resultados obtidos, por vezes, bastante divergentes, o que dava origem a discussões que, nalguns casos, atingiam grande vivacidade.
Foi precisamente, como consequência dum desses debates que teve origem o movimento que havia de conduzir à fundação do Observatório da Tapada.
Em 1840, o astrónomo francês Hervé Faye apresentava na Academia de Ciências de Paris uma comunicação em que anunciava ter obtido para a estrela n. 1830 do catálogo de Groombridge, pertencente à constelação da Ursa Maior, um movimento próprio anual de 1,06″, valor obtido a partir da variação da sua ascensão recta. Para essa mesma estrela, Argelander havia deduzido anteriormente um movimento próprio anual de 10″.
Igualmente, durante o ano de 1846, o astrónomo alemão Christian Peters, que trabalhava em Pulkovo, apresentava o resultado da determinação de algumas paralaxes estelares, utilizando o método das declinações; entre essas estrelas figurava a estrela Groombridge 1830 e, obviamente, o resultado obtido diferia muito dos anteriores (cerca de 0,25″).
Travou-se então na Academia Francesa uma acesa e brilhante controvérsia entre Hervé Faye e William Struve, Director do Observatório de Pulkova, onde Peters trabalhava, um e outro defendendo os resultados obtidos nos seus observatórios. A discussão prolongou-se por alguns anos, sem que qualquer das partes aceitasse os argumentos da outra.
Em Fevereiro de 1850, Faye propôs que se fizessem observações em Lisboa, único local em todo o continente europeu em que era possível fazer observações da referida estrela utilizando uma luneta zenital por ele construída. As observações seriam realizadas pelo próprio Faye, segundo um plano que elaborou em colaboração com William Struve e o seu filho Otto Wilhelm, mais tarde também director do Observatório de Pulkova (1862-89).
Depressa a notícia chegou a Lisboa. O Conde de Lavradio, D. Francisco de Almeida Portugal, apresentou então na Câmara dos Pares uma proposta para que as observações fossem efectuadas por astrónomos portugueses e que se mandasse vir de França o telescópio zenital inventado por Faye, bem como o equipamento necessário para o efeito. A justificar a sua proposta, o Conde de Lavradio declarou que Portugal contava com astrónomos distintos, com certeza muito capazes de efectuar aquelas observações e que, havendo um observatório em Lisboa (o Real Observatório de Marinha), “seria vergonhoso que elas não fossem feitas por astrónomos portugueses“.
A proposta foi imediatamente aprovada, tendo sido consultado o Real Observatório de Marinha para indicar o equipamento que julgasse necessário. Claro que o Real Observatório de Marinha, instalado junto ao Tejo em precárias condições, não dispunha da estabilidade necessária para a realização dessas observações e, por consequência, não era possível dar cumprimento à proposta. Decidiu-se então pela nomeação de uma comissão constituída pelas pessoas mais conhecedoras do assunto para a edificação do novo observatório. Foi chefiada por Filipe Folque.
Assim surgiu o Observatório da Tapada, oficialmente designado por Observatório Astronómico de Lisboa. Depois de terem sido analisados vários locais, decidiu-se pela escolha do sítio conhecido por Alto da Eira Velha, na Tapada da Ajuda, então pertencente à Casa Real. Para a sua edificação, o próprio monarca D. Pedro V contribuiu com a quantia de trinta contos de reis (30 000$00), deduzida da sua dotação pessoal. William Struve prestou-se amavelmente a dar todo o apoio para a construção do novo observatório, tendo ele próprio escolhido o equipamento.
Também o projecto do edifício, executado pelo arquitecto francês Jean-François Colson, acabou por ser uma adaptação do Observatório de Pulkovo, em S. Petersburgo.
No Observatório de Pulkovo estagiou igualmente o primeiro Director do Observatório da Tapada, o oficial de marinha e engenheiro hidrógrafo Frederico Augusto Oom, que ali se manteve durante quase 4 anos.
O lançamento da primeira pedra teve lugar em 11 de Março de 1861, já no tempo do rei D. Luís, que igualmente contribuiu com dez contos de reis (10 000$00), também retirados da sua dotação pessoal. As observações astronómicas regulares iniciaram-se em 1867.
1adaptado de Manuel Nunes Marques, 2002
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