HISTÓRIA DO OAL


O Observatório Astronómico de Lisboa criado pela Carta de Lei de 6 de Maio de 1878.

Para fazer uma ideia das crises que ciclicamente afectam as instituições desta natureza, julgo interessante recordar como nasceu o Observatório Astronómico de Lisboa.
Em meados do século passado, a determinação das paralaxes das estrelas constituia a preocupação dominante dos astrónomos de então. Depois de Bessel, em 1840, ter conseguido, pela primeira vez, determinar a paralaxe de uma estrela – a 61 Cygni -, a partir das observações heliométricas, novos métodos foram aparecendo e, assim, novas determinações de paralaxes iam surgindo.

Consoante os métodos utilizados, assim eram os resultados obtidos, por vezes, bastante divergentes, o que dava origem a discussões que, nalguns casos, atingiam grande vivacidade.
Foi precisamente, como consequência dum desses debates que teve origem o movimento que havia de conduzir à fundação do Observatório da Tapada.

Em 1840, o astrónomo francês Faye apresentava na Academia de Ciências de Paris uma comunicação em que anunciava ter obtido para a estrela n. 1830 do catálogo de Groombridge, pertencente à constelação da Ursa Maior, um movimento anual de 1,06″, valor obtido a partir da variação da sua ascensão recta. Para essa mesma estrela, Argelander havia deduzido anteriormente um movimento anual de 10″.

Igualmente, durante o ano de 1846, o astrónomo russo Peters apresentava o resultado da determinação de algumas paralaxes estelares, utilizando o método das declinações; entre essas estrelas figurava a estrela Groombridge 1830 e, obviamente, o resultado obtido diferia muito dos anteriores (cerca de 0,25″).

Travou-se então na Academia Francesa uma acesa e brilhante controvérsia entre Faye e William Struve, Director do Observatório de Pulkovo, onde Peters trabalhava, um e outro defendendo os resultados obtidos nos seus observatórios. A discussão prolongou-se por alguns anos, sem que qualquer das partes aceitasse os argumentos da outra.

Em Fevereiro de 1850, Faye propôs que se fizessem observações em Lisboa, único local em todo o continente europeu em que era possível fazer observações da referida estrela utilizando uma luneta zenital por ele construida. As observações seriam realizadas pelo próprio Faye, segundo um plano por ele elaborado em colaboração com William Struve e seu filho Otto, mais tarde também director do Observatório de Pulkovo.

 

D. Francisco de Almeida Portugal

Depressa a notícia chegou a Lisboa. O Conde de Lavradio, D. Francisco de Almeida Portugal, apresentou então na Câmara dos Pares uma proposta para que as observações fossem efectuadas por astrónomos portugueses e que se mandasse vir de França o telescópio zenital inventado por Faye, bem como o equipamento necessário para o efeito. A justificar a sua proposta, o Conde de Lavradio declarou que Portugal contava com astrónomos distintos, com certeza muito capazes de efectuar aquelas observações e que, havendo um observatório em Lisboa (o Real Observatório de Marinha), “seria vergonhoso que elas não fossem feitas por astrónomos portugueses“.

A proposta foi imediatamente aprovada, tendo sido consultado o Real Observatório de Marinha para indicar o equipamento que julgasse necessário. Claro que o Real Observatório de Marinha, instalado junto ao Tejo em precárias condições, não dispunha da estabilidade necessária para a realização dessas observações e, por consequência, não era possível dar cumprimento à proposta. Decidiu-se então pela nomeação de uma comissão constituida pelas pessoas mais conhecedoras do assunto para a edificação do novo observatório.

Assim surgiu o Observatório da Tapada, oficialmente designado por Observatório Astronómico de Lisboa. Depois de terem sido analisados vários locais, decidiu-se pela escolha do sítio conhecido por Alto da Eira Velha, na Tapada da Ajuda, então pertencente à Casa Real. Para sua edificação, o próprio rei, D. Pedro V, contribuiu com a quantia de trinta contos de reis (30 000$00), deduzida da sua dotação pessoal. William Struve prestou-se amavelmente a dar todo o apoio para a construção do novo observatório, tendo ele próprio escolhido o equipamento.

 D. Pedro V

Também a planta do edifício, executada pelo arquitecto Colson, acabou por ser uma cópia do Observatório de Pulkovo.

 Pulkovo1880 
 Observatório de Pulkovo, 1880

No Observatório de Pulkovo estagiou igualmente o primeiro Director do Observatório da Tapada, o oficial de marinha e engenheiro hidrógrafo Frederico Augusto Oom, que ali se manteve durante quase 4 anos. O lança mento da primeira pedra teve lugar em 11 de Março de 1861, já no tempo do rei D. Luís, que igualmente contribuiu com dez contos (10 000$00), também retirados da sua dotação pessoal. As observações iniciaram-se em 1867.

Com algumas beneficiações, o equipamento existente ainda é, em grande parte, o inicialmente comprado e, na sua grande maioria, construido pelas casas Repsold e Merz. Podemos destacar:

– Um grande equatorial com uma objectiva de 38 cm de diâmetro e 7 m de distância focal. A sua óptica encontra-se em condições satisfatórias, tendo sido utilizado, a partir da década de 1940, na observação de ocultações de estrelas pela Lua. Estas ocultações, inicialmente de grande utilidade para o cálculo do tempo das efemérides, são actualmente utilizadas na determinação dos perfis lunares. Presentemente, o instrumento está a ser preparado para a observação de estrelas duplas visuais, programa em que pensamos poder desenvolver alguma actividade útil.

– Um círculo meridiano com uma objectiva de 13,5 cm de diâmetro e cerca de 2 m de distância focal. Os círculos meridianos foram durante várias dezenas de anos um dos principais instrumentos da astronomia meridiana. O nosso colaborou no passado em vários programas astronómicos desenvolvidos a nível internacional: uma oposição de Marte bastante favorável ocorrida em fins do século passado (1892); uma passagem do pequeno planeta Eros pelas proximidades da Terra (a pouco mais de 170 milhões de quilómetros no princípio deste século (1900-1901)) e que contribuiu bastante para a determinação da paralaxe solar. Dos 13 observatórios que colaboraram nesta campanha, foi o Observatório da Tapada que apresentou maior número de observações e de melhor qualidade, seguindo-se-lhe, com alguma diferença , o Observatório de Washington, apesar deste observatório ter utilizado dois círculos meridianos. Durante este século e até fins da década de 1960, o nosso círculo meridiano foi largamente utilizado em programas de determinação das coordenadas dos corpos celestes, tanto ascensões rectas como declinações.

– Um grande instrumento de passagens instalado no Primeiro Vertical com uma objectiva de 16 cm de diâmetro e 2,31 m de distância focal. Este instrumento foi utilizado durante várias dezenas de anos, para a determinação das variações de latitude pelo método de Struve. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Observatório da Tapada foi dos poucos que manteve uma colaboração contínua com o Serviço Internacional de Latitudes. Dado que o método de Struve é bastante moroso nas nossas latitudes, na década de 1960 o astrónomo encarregado das observações, o Eng. Baptista dos Santos, introduziu algumas modificações no instrumento, por forma a poder fotografar as trajectórias da passagem meridiana das estrelas zenitais. A redução das observações é feita pelo método de Horrebow-Talcott; os resultados obtidos são muito razoáveis, residindo a principal dificuldade na precisão dos níveis de Talcott, que já não dão o valor actualmente requerido e conseguido, utilizando o equipamento mais sofisticado.

– Duas pequenas lunetas meridianas com uma objectiva de 7 cm de diâmetro e 78 cm de distância focal, destinada à determinação da hora e para fins didácticos. Numa delas foram introduzidas algumas beneficiações, inclusive um micrómeto impessoal que permite determinar a hora com um erro inferior ao centésimo de segundo. Para melhorar a precisão das observações, muito contribuiu a extraordinária habilidade e espírito inventivo do Almirante Campos Rodrigues, que foi o segundo director do observatório. Algumas das suas invenções ainda continuam a ser utilizadas, passadas quase oito décadas após a sua morte.

História Recente

Além das actividades desenvolvidas no âmbito das suas atribuições, o Observatório da Tapada sempre prestou apoio técnico e científico, quando lhe solicitado, às missões geodésicas do Ultramar e dirigiu, até à década de 1960, o estágio, na parte astronómica, dos oficiais da armada, alunos do curso de engenheiro hidrógrafo. Nos últimos anos, o Observatório instalou um centro horário constituido por alguns relógios atómicos e de quartzo, bem como todo o equipamento acessório. É assim possível manter a hora com uma precisão da ordem do microssegundo.

À semelhança do que tem acontecido com outros observatórios astronómicos seculares, o Observatório está praticamente envolvido por zonas urbanizadas, devido ao desenvolvimento da cidade de Lisboa. A luminosidade da cidade, em particular da ponte sobre o Tejo e dos palácios circundantes, e a poluição da atmosfera, são bastante prejudiciais às observações astronómicas. O equipamento de que dispomos também já não satisfaz as exigências de precisão e tipo de observações que a ciência actual impõe.

O Presente

Passando a depender da Universidade de Lisboa com a extinção do INIC em 1992, foi integrado na Faculdade de Ciências por deliberação do Senado Universitário em 20.10.94, publicada em aviso no D. R. II série, n.2 de 3.1.95. O processo de integração resultante daquela deliberação está em curso.

Estamos, pois, no início de um novo ciclo, para o qual se torna necessário analisar quais os ramos da astronomia que podemos ou convém desenvolver, fazer o inventário dos nossos recursos, estabelecer prioridades e escolher o local mais apropriado para a instalação do equipamento a adquirir. As instalações do Observatório passam também a incluir a sede de um centro de investigação em Astronomica moderna, o Centro de Astronomia e Astrofísica da Universidade de Lisboa.

(por Manuel N.  Marques, 2002)

 

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